Os rumos da Receita Federal são o centro do debate de seminário realizado em Curitiba
05/06/2025 • Notícias

DS Curitiba
Gerencialismo e Reestruturação da Receita Federal no contexto do serviço público brasileiro. Este foi o tema central do seminário realizado nesta sexta-feira (30) em Curitiba, promovido pelas Delegacias Sindicais de Curitiba e Florianópolis, em parceria com a Direção Executiva do Sindifisco Nacional (DEN). O auditório do Hotel Pestana, no centro da capital paranaense, foi tomado por colegas que aprofundaram o conhecimento sobre o tema.
A atividade, que contou com o apoio das Delegacias Sindicais de Belo Horizonte, Ceará, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo, reuniu lideranças da categoria de todo o país para refletir sobre os desafios atuais enfrentados pela Receita Federal do Brasil (RFB) e pelo funcionalismo público brasileiro.
A Receita Federal do Brasil, essencial ao funcionamento do Estado, tem como missão garantir os recursos necessários à realização dos princípios constitucionais. No entanto, a vinculação da remuneração dos auditores-fiscais a critérios centralizados de produtividade e ao gerencialismo, sob a lógica do estado mínimo, pode desvirtuar sua função missão institucional, além de interferir nas competências e prerrogativas de uma atuação republicana da atividade do Auditor-Fiscal.
A chamada “reestruturação” em curso reflete o descumprimento do preceito constitucional que determina a prioridade de recursos para a administração tributária. Com práticas gerencialistas inspiradas na iniciativa privada e uma redução superior a 40% no número de auditores, a RFB sofre um processo de desmonte que ameaça os fundamentos do Estado Democrático de Direito.
Foi diante deste cenário que aconteceram as discussões no seminário. “Foi um excelente debate e dá para dizer que conseguimos avançar nas análises relativas aos mecanismos utilizados para precarizar os serviços públicos e, ao mesmo tempo, as relações de trabalho. Ficou muito claro que, neste cenário, nós, da Receita Federal do Brasil, não estamos imunes. O gerencialismo e a adoção de práticas próprias da gestão privada colocam em risco o alcance dos objetivos da atividade pública”, apontou o vice-presidente da DS Curitiba, Mário Mendes de Barros, que dividiu a abertura do seminário com os presidentes da DEN, Dão Real, e da DS Florianópolis, Roger Corrêa.
O presidente do Sindifisco Nacional, Dão Real, criticou duramente o que chamou de “moda” do gerencialismo. “Uma moda que vem com a ideia da nova gestão pública, como se a gente pudesse transformar o serviço público numa produção de peças, produção de compartimento de peças que geram lucro. Então o gerencialismo está impregnado com essa lógica das premissas do setor privado, ocupando como se o setor público não pudesse ser eficiente sem essa lógica. Eu acho que é fundamental que os Auditores-Fiscais, os servidores públicos, consigam se apoderar desta temática, que é a do nosso dia a dia, do nosso trabalho”, comentou.
O primeiro painel, “As mudanças no mundo do trabalho e seus reflexos nas políticas públicas brasileiras”, reuniu Sergio Eduardo Mendonça, do Conselho Nacional do Sesi, o Auditor-Fiscal Paulo Gil Introini e o diretor de Defesa de Justiça Fiscal e da Seguridade Social da DS Curitiba, Paulo Diniz D’Ávila.
Mendonça falou sobre o atual cenário mundial. “Pela primeira vez, uma geração não será mais rica do que seus pais foram depois da Segunda Guerra Mundial. No Brasil, nos Estados Unidos, na Europa, isso produz um mal-estar social gigantesco. E esse mal-estar social está sendo apropriado pela extrema-direita. Por quê? Porque a extrema-direita tem sido feliz em dizer e identificar os culpados. O principal culpado hoje nos Estados Unidos, quem é? É o imigrante. Na Europa também é o imigrante. Vocês viram as últimas notícias, que são assustadoras, de, eventualmente, expulsar 300 mil chineses dos Estados Unidos. É uma coisa de louco”, comentou.
“Esse capitalismo financeiro, na minha visão econômica, é a base central do crescimento da extrema-direita. Soma-se a isso a atuação das big techs e das redes sociais. Bom, dito isso, que é um contexto bastante desafiador, eu diria, no Brasil. Eu acho que se nós pudermos ter uma leitura, para não ser tão pessimista, como foi no pós-Segunda Guerra Mundial. O que aconteceu no pós-Segunda Guerra Mundial? O Brasil soube lidar com os três grandes blocos econômicos do mundo na época”, completou Mendonça, que ainda comparou o atual momento histórico ao fim do Império Romano.
O Auditor-Fiscal Paulo Gil Introini criticou o processo de mercantilização crescente na sociedade. “Tudo vira mercadoria: terra, saúde, água, educação viram mercadoria. Um processo de mercantilização crescente, que vai se naturalizando. A nossa estratégia deve ser desmercantilizar, tornar os espaços públicos novamente públicos. O que é difícil nesse contexto, mas é uma estratégia para a gente pensar. E repercute também, além da privatização do espaço público, com disciplina fiscal rígida, na disciplina dos servidores públicos, que não é a disciplina das fábricas”, comentou.
Ele ainda lembrou uma recente declaração, feita em um seminário da FIESP, pelo presidente da entidade, falando sobre a reforma administrativa. “Ele diz o seguinte: vamos criar marcos legais que nos garantam crescimento pelos próximos anos, um Estado cada vez mais eficiente, prestando cada vez melhores serviços à sociedade brasileira e, naturalmente, redundando numa redução do custo da administração pública em relação ao PIB nacional. Isso significa redução do quadro de servidores ou rebaixamento de salário. Mais precisamente, em todos os projetos de reforma administrativa, em todos os seus pedaços, veio algum elemento para demissão de servidores”, completou.
A segunda mesa de debates da manhã, denominada “A reestruturação da Receita Federal e uma Receita Federal Republicana”, aprofundou o debate sobre os processos internos em curso no órgão e a necessidade de reafirmação de seu caráter republicano e de compromisso com a sociedade. O Auditor-Fiscal Ricardo Fagundes da Silveira foi responsável pela mediação com o presidente da Fundação ANFIP, Vanderley José Maçaneiro, e com o presidente do Sindifisco Nacional, Dão Real.
O presidente da Fundação ANFIP, Vanderley José Maçaneiro, falou sobre a importância de um modelo de gestão adequado para avançar efetivamente no sistema público de administração. De acordo com ele, um bom modelo supera a reestruturação. “Minha experiência já identificou, principalmente em outros órgãos, que um modelo de gestão bom, mesmo com uma estrutura ruim, dá melhores resultados do que uma estrutura enxuta com um modelo de gestão que não se adequa àquilo. E nós temos muitas novidades no mundo do trabalho, como foi falado nas apresentações anteriores. Nós temos hoje o fenômeno do teletrabalho, reconhecendo os defeitos que esse tipo de trabalho tem. E já foram enumerados aqui: ele torna o ser humano cada vez mais individualista, ele não compartilha com seus amigos, não exerce seu dia a dia, não expõe suas ideias e não é criticado”, analisou.
Ele ainda lembrou que o atual modelo da Receita Federal do Brasil tem origem no período da Ditadura Militar. “Esse modelo de gestão que a Receita, todos sabemos, foi criado lá no dia 20 de novembro de 1968. O regime militar, sabemos como trabalha: é da ordem e obediência, e não adianta. Não há nada melhor para você cobrar obediência do que fazer um grande número de caixinhas. Então, a Receita foi criada com muitas caixinhas, que são as da organização do layout da entidade. Muitas perduram até hoje. Não estou falando que a caixinha A ou B ou C é a mais ou a menos importante. Mas eu tenho convicção absoluta de que são muitas caixinhas. Então, alguma coisa não está certa nesse layout aí”, destacou.
O presidente do Sindifisco Nacional, Dão Real, afirmou que os servidores públicos não deixam de ser vítimas de uma guerra ideológica. “Os vencedores dessa guerra sabem que existe uma guerra ideológica; os perdedores são levados a acreditar que essa guerra não existe. Ou seja, essa guerra não existe para os perdedores. É que nem a história da luta de classes. Quem é que sabe que existe luta de classes? As classes vencedoras. As perdedoras são levadas a acreditar que não existe luta de classes, justamente para aceitar a derrota de forma mais fácil. E se é verdade que há uma guerra ideológica, eu acho que a gente precisa entrar nessa guerra também: do discurso, das narrativas, das versões. Precisamos assumir um papel protagonista nisso. A Constituição nasceu sob ataque, né? Sob ataque”, enfatizou Real.
“Ela (Constituição Federal) nasceu exatamente no período em que desembarcou no Brasil uma onda — a onda neoliberal — que era exatamente contra o Estado que a Constituição queria criar. A Constituição queria criar um Estado, se propôs a criar um Estado, estabeleceu as premissas de uma tributação justa, progressiva, enfim. Mas, imediatamente após a Constituição, começa toda uma onda de ataques a este modelo de Estado. E uma das formas deste ataque é através do modelo de administração. Porque existe uma administração pública mais adequada a um Estado de bem-estar social, e existe uma administração pública mais alinhada com o Estado mínimo”, comparou.
Ainda de acordo com ele, o ataque contra a administração pública nada mais é do que a tentativa de atacar o próprio Estado desenhado na Constituição Federal. “E a gente vive isso dentro da Receita Federal. E mesmo quando retomam os governos mais constitucionalistas ou mais progressistas, o modelo não muda. É como se fosse inevitável aquele modelo de gestão, baseado na escassez. É como se o Estado mínimo fosse inexorável. É como se a redução do quadro de servidores fosse inevitável. E aí se tenta adequar a administração a esta premissa: a premissa de que o Estado não pode crescer; a premissa de que não pode ter mais servidores; a premissa de que o quadro de servidores vai reduzir inevitavelmente. Então, o esforço que está sendo feito, que se faz — ou que se tenta fazer — neste modelo, onde eu não quero enfrentar o verdadeiro problema, é um esforço no sentido de tentar maximizar, talvez fortalecer minimamente, o Estado mínimo. O Estado será mínimo. Eu só preciso tirar o máximo de proveito dele. Quando a gente poderia dizer: não, o Estado não deve ser mínimo. O Estado deveria ter as condições necessárias para entregar às pessoas aquilo que as pessoas esperam”, apontou.
No período da tarde, a discussão voltou com um tema central para a categoria: “Os impactos do modelo gerencialista na atividade fiscal e na missão da Receita Federal”. Os auditores Marcelo Lettieri Siqueira e Henrique Jorge Freitas da Silva analisaram o tema com mediação de Maria Regina Paiva Duarte, que também é Auditora-Fiscal.
Lettieri traçou um histórico da recente ideia de reestruturação da Receita Federal do Brasil. “O projeto foi apresentado dentro de uma primeira premissa, que era a seguinte: o governo, em 2022, por meio de um decreto, fez uma reestruturação de funções em todas o funcionalismo federal e, com a nova estrutura do novo Ministério da Fazenda, houve, de novo, algumas perdas de funções da Receita Federal”, recordou. De acordo com ele, o Sindifisco só tomou conhecimento de um debate interno para uma ampla reestruturação quando ele passou a ser discutido com superintendentes e alguns delegados.
“Nós fomos recebidos no início de setembro de 2023, numa reunião em que o subsecretário apresentou para a gente qual era esse modelo. Essa apresentação não dava para entender. Cada um só mostrou um pedaço do que seria a sua área. Então, o subsecretário de Fiscalização mostrou a sua área, o da Arrecadação mostrou a dele e assim por diante. A gente não conseguia ver o todo, para onde esse projeto estava indo. Então, fizemos um ofício ao secretário pedindo que ele criasse um grupo de trabalho com o sindicato para que a gente tomasse conhecimento desse projeto. Havia uma pressão muito grande”, completou. A partir dessa pressão, Lettieri e o presidente, Dão Real, foram indicados numa portaria para integrar o grupo de trabalho.
“Colocamos todos os problemas que a gente identificava, a administração apresentou muitos detalhes, algumas coisas foram acatadas no próximo debate — principalmente na aduana —, só que a gente continua até hoje sem conhecer o projeto completo”, enfatizou Lettieri. Henrique Freitas da Silva, por sua vez, fez diversas comparações e levantou problemas que podem ocorrer em uma mudança de regionalização e/ou nacionalização da Receita Federal do Brasil.
“Se você for para a quarta região, ela é uma região mais liberal, certo? Se um auditor chegar na sala do superintendente, se o superintendente tiver um tempinho, com certeza ele vai recebê-lo. Se a gente estiver aqui na nona região, isso é muito mais difícil, porque nós temos dez regiões fiscais, e elas têm formas diferentes. Então, nós estamos partindo para uma nacionalização e regionalização, porque vamos com um modelo misto. É o primeiro conflito que nós vamos ter, que vai interferir na nossa vida profissional e pessoal...”, alertou.
“Você é daqui de Florianópolis, é atendido pela DGEP da nona, não é isso? Ali você trata suas ações de aposentadoria, de atestado. Na medida da regionalização ou nacionalização, isso muda. Eu moro em Natal, sou da 4ª região, mas como estou indo para a EFRAO da terceira e já fui removido, meu exercício é na terceira região. No grupo de seleção, a minha área pessoal passou a ser tratada pela DGEP da terceira região, certo? Então, por exemplo, quem for para uma delegacia de malha de pessoa jurídica, que vai ser em Vitória, vai tratar seus assuntos pessoais na sétima região, na DGEP da sétima, esteja em que local do país estiver. Isso vai trazer dificuldades, porque além de você estar distante, você não tem como ir lá resolver pessoalmente um problema; as culturas são diferentes, as dificuldades de cada região são diferentes, e você é um estranho no ninho, lá ninguém lhe conhece”, completou
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Fonte: DS Curitiba